27.12.05

O Poeta e Eu

Boto-o contra a parede.
Ele se vê forçado a interrogar o espelho.
Mostro toda sua vergonha.
E relembro todos seus medos.

Trago dúvidas infindas.
Faço desgraças em sua consciência.
Torturas e chantagens.
Logo tenho sua obediência.

Mas também lhe dou luxúria.
Amor e passaportes.
Viagens de curto tempo.
Dou mais azar que sorte.

Mas não sou de todo mal.
Sou apenas necessária.
Ele entende nossa relação.
Pra deixar as coisas menos ordinárias.

E depois de todo o meu esforço,
Antes que me expulse o Dia,
Pra concretizar as suas fugas
Ele terá feito uma poesia.

20.12.05

As Primeiras ou Últimas

Quero aproveitar o estímulo.
Tento mais uma saída.
Espero um fim seguro.
Vendo minhas idéias.

Olhando para o futuro
Percebi o inevitável.
Pranto depois das expectativas.
Sorrir pra não chorar.

Demasiada ambição!
Subestimei o poder da obra.
Deturpada a ordem das coisas.
Pensei ter fugido da rima.

29.11.05

O Carteiro


Sempre tive uma admiração muito grande por determinadas profissões, o que por muitas vezes colocou minha credibilidade em cheque. Custavam a acreditar em mim quando eu declarava que, ao menos por um dia, eu desejava ser um carteiro.
O que a gente conhece da cidade onde mora? Quantas pessoas cumprimentamos quando andamos pelas ruas? E isso quando resolvemos andar. Tudo o que conhecemos são imagens limitadas pelas fronteiras de uma janela. Não gosto de quadrados. Quero ter o olho aberto, espaço livre, de me sentir parte da paisagem. Já me incomoda como o céu está perdendo a vez.
Gosto de sentir o sol na cabeça. De procurar uma sombra. De perceber que, ao andar por uma rua no sentido contrário ao que você costuma andar, descobre-se um mundo completamente novo. Eu gosto do novo, de novo. Sempre achar um outro caminho pra casa ou pro mundo. Eu gosto do mundo. Ver pessoas na calçada. Ver senhores e senhoras que são sempre simpáticos apesar da vida que levam. Ver crianças brincando e brigando. Gosto de conversar com universos completamente diferentes do meu. Decorar nomes de ruas. Pedir informação. Andar de ônibus de graça. Sentir-me cansado e afagado pelo meu lar. Gosto de me sentir parte da vida e não ser uma vida à parte. Sou apaixonado.
Mas nem tudo é assim. O sol na cabeça cansa. Andar cansa. O novo se repete e vira cotidiano. As pessoas são frias e as crianças não saem do pátio do prédio. As conversas são sempre as mesmas. As ruas se confundem. O cansaço nem sempre encontra tempo pra descansar. Uma vida sem sentido. Mas sou apaixonado.
Sem ao menos mencionar o lado poético de sua função de unir vidas, é dessa forma que me apego a coisas simples. Mas talvez contemplar o simples seja luxo. Tudo o que sei é que sem romantismo eu não viveria. Pra aceitar, pra fugir ou pra refazer a vida, sigo amando. Sou apaixonado.

18.11.05

Os versos do fim

Bruscamente a tristeza
se lança do ventre da desesperança e
a agonia sobrepuja o tempo,
esvaindo o contato mais íntimo
e transformando a memória
de várias andanças
em questões e lamentos.

Quando a certeza
lava a alma em prantos
e faz de belos devaneios
uma aventura vazia,
reconstruo sentimentos
e padeço, somente,
por terminar nossa história
nos versos desta poesia.

25.10.05

Lugar Comum

Tempos de Solidão!
Todos se sentem sós, todos se sentem tristes.
Todos se entregando a problemas e fraquezas.
Enquanto puder lutarei contra isso.
O mais irônico é que lutarei sozinho.

16.10.05

Morto de sono

Quando a vida se torna vazia,
quando a arte é serventia,
quando o consenso é a hipocrisia,
o grito libertário adverte:

Excesso de ideologia causa monotonia.

5.9.05

A Chuva

A chuva me chama pra dormir.
Eu deixo.
A chuva me chama pra dormir.
Eu deito.

A chuva me chama pra dormir.
Eu escuto.
A chuva me chama. Pra dormir
eu luto.


30.8.05

Feitios

Masturbe-se,
desobedeça,
respeite os mais velhos,
doe sangue,
faça sexo,
desobedeça,
ame,
beije,
recicle,
odeie,
use camisinha,
desobedeça,
aborte,
aja,
não hesite,
ouça música,
apague a luz,
desobedeça,
embriague-se,
leia um livro,
feche a porta,
cuspa,

mas sempre arranje um bom motivo pra parecer estúpido.

16.8.05

Brasileiro já nasce com a semente da corrupção plantada na barriga

Dentro da sala, um clima diferente:
Barulho, vai e vêm de pessoas, olhos atentos, mãos coçando
No chão, muitas malas.
- Tudo dinheiro sujo. Esse país num tem jeito, não...
Lamentou Décio, enquanto prendia com uma liga mais um grande bolo de notas de cinqüenta.
Eram três homens, só para contar a dinheirama. Já passava das 9 da noite e o trabalho ainda chegava à metade. Aos poucos, curiosos foram deixando a sala e os rostos presentes já aparentavam cansaço, seus olhos pareciam perdidos, o clima diferente se esvaíra.
- Acho que todo brasileiro já nasce com a semente da corrupção plantada na barriga...
Disse Décio, sem obter resposta dos companheiros. Ali, ele era o único que ainda se mostrava disposto, entusiasmado. A contagem, provavelmente, iria varar a madrugada e ele, vendo o cansaço dos outros dois funcionários, sugeriu que terminassem aquela mala e continuassem o trabalho no dia seguinte. Em seguida, despachou os dois, abriu o cofre e guardou os bolos de dinheiro contados. Seguiu até a porta da grande sala e, antes de trancar a porta, olhou para o chão e fitou as malas que ali estavam. Hesitou por um segundo. Abriu uma delas, meteu um maço no bolso e foi para casa.

9.8.05

Meia Volta e Meia


Talvez exista um final feliz
Pra todo conto de fada.
Mas a vida é sempre o meio
De uma história mal contada,
Que espero estar contando
Depois de uma linda alvorada!

1.8.05

A mulher do mágico

Num passe de mágica,
fazia desaparecer
cartas, lenços,
cigarros, moedas, espadas.
Num gesto breve,
fez desaparecer o amor
enquanto serrava sua mulher ao meio.

19.7.05

Angústia

Onde foi parar o elo perdido
Onde foi parar o elo perdido
Onde foi parar o elo perdido
Onde foi parar o elo perdido
Onde foi parar o elo perdido
O elo..........................perdido...

12.7.05

Universo

Já são dez pras duas.
Minhas pernas discordam em direção.
Sei qual rumo quero seguir,
Mas não sigo minha intuição.

Tenho uma visão privilegiada,
Que precisa ser corrigida.
Tenho a cabeça nas nuvens,
"Olha a vida! Olha a vida!".

A timidez se acanha,
Quando em tom confortável.
Mas ela sempre ganha,
Se estou acompanhado.

Movido a aspirações.
Parado, mas sempre pensando.
Divirto-me com lucidez.
Embriagado, quero divertir o mundo.

Evasão de intimidade.
Disfarce, eu grito mudo!
Saiba que nada é tão autobiográfico
A ponto de ser único.

6.7.05

Desvios

Apesar da dificuldade,
conseguiu entrar.
Alertou a todos sobre o ocorrido
e esperou uma resposta.
Ninguém se moveu,
ninguém fingiu,
ninguém se comoveu.
Abatido e envergonhado,
sentou-se e
abaixou a cabeça.
Tanta lágrima se fez
em seus olhos
que as cores perderam o sentido.
Percebeu que, naquela noite,
não voltaria pra casa.