- Não se sente mal?
- E por que sentiria?
- Acaba de me vender seu corpo...
- Não vendi, apenas aluguei. Continuo com ele.
- Não se envergonha disso?
- Não, pra falar a verdade acho até inteligente.
- E por quê?
- Por que fazer de graça se posso cobrar?
- Não acredita no amor?
- Só entre pais e flhos...
- Por quê? Alguma frustração?
- Quantas vezes você disse " eu te amo" a uma mulher?
- Várias
- Poisé, e hoje você tá aqui, comigo! Não acredito nesse amor descartável, volátil...
- Hum, temos aqui uma puta quase erudita!
- Digamos que essa seja minha pretensão!
risos
(...)
Casaram-se, fizeram bodas de ouro. Ele morreu aos 76 anos com câncer de próstata. Ela morreu 1 mês depois. Não conseguiu viver sem seu grande amor.
27.6.04
17.6.04
A verdadeira conversa de botas batidas
- Porra...agora ferrou mesmo pra gente!
- É, vamo apodrecer por aqui!
- Mas é foda...o velho bateu a gente porque ele já não agüentava mais, né!
- Verdade, mas ele foi egoísta! Deixar a gente aqui, obrigar a gente a passar pelo que ele passou a vida inteira...aqui nessa casa enorme!
- Cara, ele passou por isso a vida inteira! Nós, pelo menos, temos um ao outro. E mais: cedo ou tarde vai aparecer alguém aqui na mansão pra pegar a gente. Sem dúvidas!
- É, tomara. PÔ, pensando bem, coitado dele. Sozinho, nenhum amigo, tio, irmão...será que ele era mau?
- Não, acho que não. Quem é mau, mau mesmo, num chora tanto.
- Ei, ei...tão abrindo a porta ali. Shhh! Tá pegando as coisas do velho! Olha lá, ta arrastando tuuudo. Deve ser algum parente...
- Cala a boca e fica queto! Vamo torcer pra acharem a gente aqui..
- Uhum...
Escrito por
Anônimo
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14.6.04
Mesma tarde diferente
Tá chovendo. O tempo parece passar mais devagar quando chove. A chuva acalma a correria da cidade, silencia os motores. Ir para a rua, tomar banho de bica, sentir a água gelada descendo pelo corpo, chutar as poças d’água, jogar bola na chuva. Deitar-se num sofá quentinho enquanto sente os pés e a ponta do nariz frios, pôr meias, cobrir-se com um lençol, assistir a um filme qualquer. Pequenos prazeres oferecidos pela natureza que têm a vida como testemunha e conseqüência.
Tá chovendo. O tempo parece não passar quando chove. A chuva afoba as pessoas, silencia vidas. Ir para a rua, pedir ajuda, sentir a água gelada cerrando os lábios, salvar o que resta, levar pra longe. Encontrar um lugar quente, um cobertor, um sorriso, uma esperança, um jornal qualquer com mais números. Desgraças arbitrárias da natureza que têm a morte como testemunha e conseqüência.
Escrito por
Mateus
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13.6.04
Vejo os shoppings muito lotados, as pessoas correndo, mas não consigo enxergar olhos, nem boca, nem nariz, em seus rostos. Estranho. Entro numa loja, passo a mão por uma camisa de crepe, confiro o preço na etiqueta, ponho-a dentro da bolsa e saio.
Vou até o ponto de ônibus, prendo a bolsa junto ao meu peito, de vez em quando tropeço na minha saia longa. Não há ninguém por perto. Os ônibus passam, mas não param. Insisto. E mais uma vez, vejo um sorriso esquisito (ri de mim?) no motorista, que passou ainda mais veloz que os outros...
Saio caminhando. Caminho por horas. Vou tocando nos muros de pedra, nos portões de ferro, nos cacos de vidro lá no alto. Ouço gritos, choros de crianças, buzinas de carro. Vejo a fumaça cinza, a moça encostada no muro passando batom, as pessoas andando, esbarrando-se umas nas outras.
E vejo o mar. Tão verde, tão uniforme! Já estou despida. A bolsa, a camisa de crepe, os muros, o cacos de vidro, os gritos atordoados, deixei pra trás. A água morna me toma, e nela é tudo tão silencioso que quero ir mais fundo. Já não sinto mais nada, além de um enorme prazer, um imenso alívio.
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Anônimo
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