O Carteiro
Sempre tive uma admiração muito grande por determinadas profissões, o que por muitas vezes colocou minha credibilidade em cheque. Custavam a acreditar em mim quando eu declarava que, ao menos por um dia, eu desejava ser um carteiro.
O que a gente conhece da cidade onde mora? Quantas pessoas cumprimentamos quando andamos pelas ruas? E isso quando resolvemos andar. Tudo o que conhecemos são imagens limitadas pelas fronteiras de uma janela. Não gosto de quadrados. Quero ter o olho aberto, espaço livre, de me sentir parte da paisagem. Já me incomoda como o céu está perdendo a vez.
Gosto de sentir o sol na cabeça. De procurar uma sombra. De perceber que, ao andar por uma rua no sentido contrário ao que você costuma andar, descobre-se um mundo completamente novo. Eu gosto do novo, de novo. Sempre achar um outro caminho pra casa ou pro mundo. Eu gosto do mundo. Ver pessoas na calçada. Ver senhores e senhoras que são sempre simpáticos apesar da vida que levam. Ver crianças brincando e brigando. Gosto de conversar com universos completamente diferentes do meu. Decorar nomes de ruas. Pedir informação. Andar de ônibus de graça. Sentir-me cansado e afagado pelo meu lar. Gosto de me sentir parte da vida e não ser uma vida à parte. Sou apaixonado.
Mas nem tudo é assim. O sol na cabeça cansa. Andar cansa. O novo se repete e vira cotidiano. As pessoas são frias e as crianças não saem do pátio do prédio. As conversas são sempre as mesmas. As ruas se confundem. O cansaço nem sempre encontra tempo pra descansar. Uma vida sem sentido. Mas sou apaixonado.
Sem ao menos mencionar o lado poético de sua função de unir vidas, é dessa forma que me apego a coisas simples. Mas talvez contemplar o simples seja luxo. Tudo o que sei é que sem romantismo eu não viveria. Pra aceitar, pra fugir ou pra refazer a vida, sigo amando. Sou apaixonado.